quinta-feira, 27 de maio de 2010

DISCUSSÃO DE OLEGÁRIO ALFREDO COM COSTA LEITE (UM MINEIRO E UM PARAIBANO)




Olegário Alfredo, o Mestre Gaio é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores cordelistas deste país. Imaginem vocês, um embate amigável entre Olegário e José Costa Leite, paraibano, Mestre da literatura de cordel, hoje aos 82 anos. Publicado em 2003 pela Crisálida Livraria e Editora, Discussão de Olegário Alfredo com José Costa Leite (um mineiro e um paraibano), cordel que merece ser cada vez mais divulgado, pela imensa criatividade, segue reproduzido abaixo, para que vocês se deliciem com esta verdadeira obra prima da literatura de cordel. Boa leitura, amigos. (Rogério Salgado)


Olegário diz:
- Só como prato mineiro.
Costa Leite diz:
- O meu prato é nordestino.

Neste cordel vamos ver
Quem vai entrar pelo cano,
Olegário Alfredo é mineiro
Poeta bom, veterano
E José Costa Leite,
Poeta paraibano.

Olegário improvisando
Dentro dum legal esquema
Foi logo propondo o tema
E Costa Leite escutando
O assunto foi lhe agradando
Paraibano é certeiro
Tem assunto o dia inteiro
Quando se fala em comida
Olegário na partida:
Só como prato mineiro.


C.L.
- No Nordeste brasileiro
O povo come de tudo
Que às vezes fica pançudo
E o corpo meio banzeiro
No churrasco é o primeiro
Seja de gado bovino
Ou mesmo gado suíno
Mesmo na hora da ceia
Pra ficar de pança cheia
O meu prato é nordestino.


O A.
- Em Minas Gerais eu sapeco
Noite e dia na comilança
Como muito na festança
Carne de vaca e marreco
Se acha em qualquer boteco
O leite vem do leiteiro
A couve vem do terreiro
Domingo como patê
Por isso digo a você,
Só como prato mineiro.

C.L.
- No Nordeste o camarada
Na hora da refeição
Come filé de camarão
Emboca na “batucada”
E dentro da feijoada
Se bota os pés de um suíno
É comida de granfino
Na opinião do povo
No café cuscuz com ovo
O meu prato é nordestino.

O A.
- Sou igual uma pilastra
Aqui nas Minas Gerais
As coisas são naturais
Temos o queijo canastra
O chuchu na rama alastra
Nosso feijão é o tropeiro
O mexidão é de carreiro
Sobre a mesa é pão-de-queijo
Com doce chamado beijo
Só como prato mineiro.


C.L.
- Se o mineiro come bem
Churrasco e carne-de-sol
Mas aqui, se for “farol”
Carne de sol também tem
Na hora que a fome vem
A negrada entoa o hino
Pede um comer genuíno
Feijão preto e mocotó
Pra mim é do bom só-só
O meu prato é nordestino.

O. A.
- Depois da hora da missa
Angu com fubá de munho
Se come no mês de junho
Pão-de-queijo com lingüiça
O apetite logo atiça
Nosso prato derradeiro
Não será nunca o primeiro
A pinga no corpo abriga
Se o torresmo é de barriga
Só como prato mineiro.


C.L.
-E depois o ponche vem
De seriguela ou pitanga
De graviola ou manga
Que é gostoso também
Aqui não sofre ninguém
Só se for cabra mofino
Porque do gado bovino
Temos bife toda hora
Eu digo a quem vem de fora:
- O meu prato é nordestino.


O. A
- minha fome eu acabo
Ali perto do fogão
Farofa de cansanção
Com um frango no quiabo
Se come feito diabo
Vai varando o dia inteiro
Numa sombra do terreiro
Chupando jaboticaba
Até que à tarde se acaba
Só como prato mineiro.

C. L.
Sabemos que o boi fornece
Fígado, tripa e mocotó
Pra se comer numa mó
Daqui ninguém esquece
A turma que já conhece
De um comer super fino
O toucinho de suíno
Tem o sabor do nordeste
Comer de cabra da peste
O meu prato é nordestino.

O A.
-Em Minas Gerais digo a ter
Dentro da gastronomia
Paraíba não sabia
Que brotinho de bambu
Misturado no tutu
Não custa muito dinheiro
É gostoso por inteiro
Se vier lombinho assado
Eu degusto sossegado
Só como prato mineiro.



C.L.
- E os produtos do mar
Que invadem a região
Ostra, siri, camarão
Do povo da beira-mar
Mas a turma do lugar
Seguindo a voz do destino
Com as ordens do Divino
Fornece peixe pra gente
Comer em todo ambiente
O meu prato é nordestino.

O A.
- Mineiro é bom camarada
Cada qual é um pode-pode
Um na buchada de bode
O outro na couve rasgada
Com farinha e galinhada
Enche a pança o dia inteiro
Cada qual no seu poleiro
Pra viver muito mais
Aqui nas Minas Gerais
Só como prato mineiro.

C.L
- Nos peixes temos toninha
Garajuba ou corvina
Salmonete, abacatina
Temos cioba e tainha
A pescada ou pescadinha
É a chã do gado tourino
Fornece prato divino
Quem tem sabor de manjar
O nordeste é meu lugar
O meu prato é nordestino.



O.A
- Mineiro é bom de serviço
É por que ele come bem
Comer bem vai mais além
Costa Leite sabe disso
Manda descer um chouriço
Com pinga lá do barreiro
Lambicada no terreiro
A vida é um arrebol
Nada de colesterol
Só como prato mineiro.

C.L
- Café com leite bem cedo
E suco com perfeição
De laranja ou de limão
A gente toma sem medo
Seu conforto é um segredo
O povo diz, eu combino
O mocotó de um bovino
Dentro da fava ou feijão
Na hora da refeição
O meu prato é nordestino.

O A.
- A turma toda pipoca
Quando o dia é de peixada
Na mesa da mineirada
Tem o cascudo de loca
Cozido com mandioca
Com licor de pequizeiro
Que é pra puxar banzeiro
E invejar cabra da peste
Que vive lá no nordeste
Só como prato mineiro.


C.L.
- Carne de bode e torrada
Pra se comer com cerveja
Qualquer pessoa deseja
Uma cerveja gelada
Do bode faz-se a buchada
E na hora que toca o sino
É meio dia, eu combino
Sai buchada com feijão
E sai pitu com limão
O meu prato é nordestino.

O A.
- Nossa prosa ficou boa
Mineiro com paraibano
Cada qual é veterano
E a musa lhe abençoa
Deus lhe manda uma garoa
Paraíba é verdadeiro
Mineiro é bom companheiro
Manda fritar o jiló
Com pirão de mocotó
Só como prato mineiro.

C.L
- A gente come de tudo
Banana com leite e queijo
E se come caranguejo
Ou raspado ou cabeludo
Às vezes eu me ajudo
Com costelas de suínos
Num churrasco genuíno
Depois suco de acerola
Ou mesmo de graviola
O meu prato é nordestino.


O A.
- O mineiro na tabela
No frevo da fervedura
Chupando fruta madura
Carne-de-sol na panela
Galinha de cabidela
E por ser hospitaleiro
Diz para seu companheiro,
- Tá na hora de jantar
Um petisco a beliscar
Só como prato mineiro.

C.L.
- Comer pra um ou pra dois
Logo cedo é preparado
É cuscuz com bode assado
Se come cedo e depois
Feijão preto com arroz
Desde o tempo de menino
É comer genuíno
Com pé de porco e com bucho
De boi, comida de luxo
O meu prato é nordestino.

Houve empate em poesia
Ali naquele ambiente,
Se abraçaram os poetas
Olegário disse contente:
- A discussão ficou linda
O povo quer ouvir ainda
Outro debate da gente.

Outubro de 2003



José Costa Leite nasceu em 27 de julho de 1927, em Sapé/PB. Diz que nunca freqüentou a escola, tendo aprendido a ler soletrando folhetos de cordel. Em 1938, muda-se com a família para Pernambuco, fixando residência em Condado, cidade onde mora até hoje. Ainda criança, trabalha nas plantações de cana-de-açúcar e faz seus primeiros versos imitando o cordel. Em 1947, começa a vender folhetos nas feiras do interior e, em 1949, publica seus primeiros títulos: "Eduardo e Alzira" e "Discussão de José Costa com Manuel Vicente". Logo em seguida, improvisa-se xilógrafo, gravando na madeira a imagem que ilustra seu terceiro título, "O rapaz que virou bode". Torna-se, assim, um profissional polivalente, exercendo todas as atividades ligadas à literatura popular: é poeta, editor, ilustrador e continua a vender folhetos, de feira em feira. Autor de clássicos, verseja sobre praticamente todos os temas do cordel, sendo o autor de clássicos como “A Carta misteriosa do Padre Cícero Romão Batista”, “O dicionário do amor e Os dez mandamentos”, o “Pai Nosso e o Credo dos cachaceiros”. Além das histórias em verso, publica anualmente o “Calendário Brasileiro”, almanaque astrológico de 16 páginas contendo diversos conselhos práticos, de grande sucesso junto ao público. Denomina sua folhetaria “A Voz da Poesia Nordestina”. Em 1976, recebeu o Prêmio Leandro Gomes de Barros, da Universidade Regional do Nordeste, em Campina Grande/PB, pelo conjunto de sua obra, talvez a mais extensa da literatura de cordel brasileira, em número de títulos.
Suas xilogravuras ilustram inúmeros folhetos, seus e de outros poetas e ganhou status de obra de arte a partir dos anos 1960, quando passaram a ser publicadas em álbuns e expostas em museus, no Brasil e no exterior. Em 2005, José Costa Leite é o convidado especial de uma exposição realizada no Musée du Dessin et de Estampe Originale de Gravelines (França), onde também dá ateliês de xilogravura. Ao completar 80 anos, em 2007, foi homenageado na Paraíba, juntamente com o escritor Ariano Suassuna, e recebeu o título de "Patrimônio Vivo de Pernambuco", reconhecimento máximo de um artista de múltiplos talentos, que fez da poesia e da beleza a matéria-prima de seu labor. As informações sobre José Costa Leite constam em entrevistas dadas a Everardo Ramos .nos anos de 2000, 2005 e 2008.
Contato: Rua Dr. Júlio Correia, 223 – Condado – PE – Cep: 55.940-000

Olegário Alfredo é um dos mais conhecidos autores de literatura de cordel em Minas, já com mais de 100 livretos publicados sobre temas diversos, Olegário Alfredo, é também conhecido como Mestre Gaio. Mineiro de Teófilo Otoni, há anos vivendo em Belo Horizonte, Mestre Gaio diz que começou a se interessar pela literatura de cordel quando era criança e vivia em sua terra natal, por onde costumavam passar muitos cultores do gênero. “Foi ouvindo aqueles poetas, verdadeiros artistas do povo, que passei a ter vontade de também ser um deles. Com o passar do tempo comecei a escrever, fui me aprimorando, li tudo que consegui a respeito, e não parei mais”, conta. Olegário Alfredo é membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e publicou em 2009 o cordel “Rogério Salgado, o poeta obstinado, que não deixa a poesia descansar”.
Contato: olegaras@mg.trt.gov.br