quarta-feira, 18 de março de 2009

Anu: a poesia desconstrutiva de Wilmar Silva








Com Anu, o poeta Wilmar Silva se serve de um não texto, destemido, onde o êxtase seminal é fundido em forma concreta (mas não se trata de poesia concreta, pois pela originalidade, vai além disso) e rediviva de vivência, uma espécie de solo dúbio e ambíguo para sedimentar além das plantas dos pés, todo o corpo em mutação, do sêmem ao ser humano, cabeça, tronco e membros como a senda do espaço-físico, terra, água, fogo e ar.
A maneira de uma antítese, o poeta trabalha a técnica e a consciência, mas inebria-se com a sensível imperfeição que nos faz lembrar uma criança sendo alfabetizada, sob a sabedoria de educadores que admiram a psicóloga e pesquisadora argentina radicada no México, Emília Ferreiro. Vem justamente daí, a poesia prosaica juntada em palavras que se espicham no negro central da folha branca do papel, surgindo num fôlego dúbio, numa só respiração palavrial, extraindo o que vem de dentro do âmago do poeta, numa construção desconstrutiva do que podemos considerar como sendo o verbo “poetar”.
Neste final de século XX e início de século XXI fala-se muito em vanguarda como algo novo, sem refletirmos qual a própria vanguarda é antiga. Vide por exemplo a vanguarda européia, surgida no início do século XX. Por essa razão, pela sua ousadia poética, não podemos dizer que Wilmar Silva tem sido um poeta vanguardista, mas sim, um poeta que constrói uma poesia pós- contemporânea, sempre indo fundo naquilo que se propõe a fazer, porque acredita fielmente no que é: um poeta. Não se amedronta diante do risco e suas idéias que hoje nos parecem absurdas, só serão entendidas daqui a muitos anos-luz. Wilmar Silva lembra-me Walter Franco e sua composição “Cabeça” , quando em 1972, em pleno Festival Internacional da Canção, levou a comissão organizadora a demitir um júri inteligente, substituindo-o por um outro júri, porém de uma imbecilidade natural, buscando no simplesco, agradar um público preguiçoso e ansioso por algo já pronto, acessível a qualquer “cabeça” acomodada de reflexões e desvendamentos do que o autor queria passar, provavelmente para poucos que o compreenderiam. Anu é assim, elogiado pela crítica inteligente e criticado pelos que se acomodam na inércia de buscar o que está por trás daquilo que o autor quer deixar para o leitor. E pela maturidade poética e histórica de Wilmar Silva podemos afirmar que ele sabe muito bem o que escreve e a que se propõe: sua construção verbal desconstruída.
Por essa ousada desconstrução poética, a histórica publicação da primeira edição de Anu em 2001, pode ser considerada um divisor de águas na moderna poesia contemporânea brasileira, tal como Sargent Pepper`s Lonely Heart Club Band, dos quatro cabeludos de Liverpool representou em 1967 para o rock and roll universal.
Vale conhecer e experimentar ler Anu, nem que seja para desafiar nossa mente lerda de reflexões, buscando no cansaço da descoberta da poesia de Wilmar Silva encontrar aquela parte acesa intelectualmente e que ficara escondida lá no canto de nossa cabeça.
Em tempo: Anu teve uma edição publicada em dezembro de 2008 pela Editora Confraria do Vento/ Rio de Janeiro.
Estilhaços no Lago de Púrpura, (Anome Livros), livro desse autor será publicado na Argentina e na França, além de ter uma co-edição Anome Livros e Embaixada Brasil República Dominicana, em quatro idiomas, português, espanhol, francês, inglês.
Contato com o autor: wilmarsilva@wilmarsilva.com.br
Contato com a Editora: www.confrariadovento.com

sexta-feira, 6 de março de 2009

Outros Barulhos: a poesia simples e de qualidade de Reynaldo Bessa


Recebi Outros Barulhos (Anome Livros) de Reynaldo Bessa, com certa apreensão, pensando tratar-se de outro músico metido a escrever poesia, já que letra de música muitas vezes é também poesia, mas poesia nem sempre é letra de música. Após uma leitura em meio a receios e expectativas cheguei à conclusão de que Reynaldo Bessa não é só um grande músico, mas um poeta sensível e perceptivo que, com certeza, se destacará no cenário poético brasileiro.
Um dos maiores livros da literatura universal, Dom Quixote de La Mancha, levou seu autor a ser um dos melhores escritores universais porque conseguiu unir numa mesma obra, uma literatura da melhor qualidade com detalhes surpreendentes aos críticos mais exigentes e uma linguagem simples, de fácil entendimento para aqueles que buscam uma história de aventuras.
Nos dias atuais, poetas buscam escrever uma poesia só compreensível para ele mesmo e o pior: críticos, com receio de serem criticados por não compreenderem algo que eles não poderiam compreender, consideram aquele abstrato obra prima da poesia contemporânea brasileira.
Reynaldo Bessa em seu Outros Barulhos, por certo, agradará aos mais variados leitores e ao crítico literário mais detalhista, pois faz uso de preciosas metáforas para escrever uma poesia de qualidade e simples, simplicidade que aqui considero seu ponto forte.
Ao voltar à infância, o poeta usa de lembranças para visualizar imagens poéticas surpreendentes, quando diz: “o silêncio/do meu irmão/doía mais/que as pancadas/do meu pai”. Mostra-nos que para ser moderno não é necessário perder o lirismo, como nestes curtos versos: “os vestidos escondem/mais segredos do que o mar”. Sem perder o seu espírito social, fala do menino cujo sonho era ter tênis novos e do sonho desfeito com o roubo desses tênis; do espirro que dá para a sociedade hipócrita e opressivamente capitalista; e critica nossa condição humana em versos criativos, que diz: “os macacos/desceram das árvores/aí nasceu o trabalho,/a infidelidade, o divórcio e/o apartamento de um dormitório” . Encerra com o poema intitulado “Fim”, poeticamente rico por suas variadas possibilidades, resumindo numa única frase: “muitas coisas acontecem depois dele”
Reynaldo Bessa é cantor, compositor, violonista, escritor e poeta. Nasceu em Mossoró/RN. Está radicado em São Paulo/SP há vinte anos. Lançou cinco CDs. Outros Barulhos é o seu primeiro livro e um dos melhores de poesia que li nestes últimos anos.
E-mail: contato@reynaldobessa.com.br . Site: www.reynaldobessa.com.br