sábado, 15 de janeiro de 2011

Aconselho-te crueldade e Viavária: sensiblidade aconselhável no ofício do escritor




























Acabo de ler e comento com muita emoção, de Fernando Fábio Fiorese Furtado, o livro: “Aconselho-te crueldade” e de Iacyr Anderson Freitas: “Viavária”, ambos publicados com os recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Juiz de Fora - Murilo Mendes.

“Aconselho-te Crueldade”, primeiro livro de contos do poeta e escritor Fernando Fábio Fiorese Furtado (Nankim Editorial\Funalfa Edições), um trabalho literário, sem exageros, espetacular!
Espetacular, principalmente, pela complexidade artística extraída do universo teatral, cinematográfico, filosófico... e, sobretudo, poético. Criação arrojada, que deu vida a personagens extremamente humanos: intrigantes, perceptivos, neuróticos, sensuais, enigmáticos, brincalhões... tão comuns, tão reais, preenchidos de poesia: Ulisses, Alzirinha, Darcy, Tia Nininha, Dr. Basílio, Tia Ritinha, Tia Olinda, Humberto, Ruth, Ana, Paulo Preto, Julinho, Dudu, Nando, Minervina, Zé do Amaro, Antônia, Capitão Bastos, D. Geralda, Teresa, Nuno, Frederico, Cláudio, Carla, Otto e tantos outros.
Além do foco em personalidades tão marcantes: Heráclito, Baudelaire, Kafka, Clarice Lispector, Drummond, Rubem Fonseca, Emily Dickinson, Proust, Augusto dos Anjos...
Quatorze contos permeados de questionamentos, reflexões, vivências, risíveis circunstâncias, ironias... Descrições tão bem examinadas, imagens que instigam, perturbam, divertem... e, principalmente, deixam escorrer um lirismo que suaviza muitos dramas e anseios humanos.
Admiro a maneira com que Fiorese conversa com os seres inanimados de sua escrita, personificando-os no perfeito momento em que os mesmos solicitam, desejam e/ou exigem.
Todos os contos são muito interessantes, destaco: “Um terno para K” – maravilhoso! Mesmo quem pouco conhece o incrível Molière sentirá a prazerosa inspiração tão bem dirigida.
A sensação que tive ao ler “Aconselho-te Crueldade” foi a de constante movimento: um pulsar envolvente de ritmos muito bem selecionados, organizados, que geram emoção ao leitor/expectador, tal qual a trilha sonora de um bom filme. Enfatizo, portanto, a agradável atmosfera mineira que envolve a maior parte dos contos. Uma leitura muito estimulante.
Um livro que recomendo a todos que gostam de vida, poesia, da arte de viver e das artes em geral.

Senti em “Viavária” (Nankin Editorial\Funalfa Edições), livro de poemas de Iacyr Anderson Freitas, que o prazer da poesia é, muitas vezes, o de ser esculpida em sacrifício.
Nesse livro o autor de “Viavária”, reconhecido como um dos grandes nomes da poesia contemporânea brasileira, se faz cúmplice das rimas, as quais não se deixam intimidar pelo rigor que exigem os versos. Consciente de seu processo de criação, transpira emoção e se entusiasma com a técnica, sem nenhum receio dos chamados vanguardistas. Sua escrita é tão intensa, que os efeitos textuais sonoros parecem querer cantar em nossos ouvidos.
Os dez capítulos poéticos, que trazem vários poemas, conforme o livro é estruturado, são muito interessantes e de agradável leitura. Destaco um pouquinho desses capítulos, para afirmar o expressivo conteúdo do livro:
“Álbum de Retraços” – “O poeta louva sua escrivaninha”: “Penso às vezes: sobre ti\quanto de mim foi escrito?\Livros que fiz ou que li,\longas laudas em conflito?\(...)”. Tão impressionante que consigo ver os sentimentos dos objetos.
É pura alma, quando fala de saudades, no belíssimo poema para o Chico Lins: “Mais que teu livro, guardo comigo\o rastro da tua morte,\o amor que não conhece o perigo\de estar além do que a mão suporte.\(...)\Se não partistes assim, tão brusco.\Agora esse janeiro há de estar\preso à memória, no lusco-fusco\onde findam as horas sem par.\(...)”.
Em “Quilombo” escreve como um abolicionista indignado, apaixonado, sedento de justiça, de verdades e deixa escorrer em seus versos: resignação, agonia e as dolorosas dores dos irmãos de Zumbi do Palmares: “Não poderá ser livre\quem luta entre muralhas\e sofre ao defendê-las\de canhões e canalhas.\Nenhuma liberdade\foi feita para os guetos,\para os pobres de sempre,\mulatos, índios, pretos.\Logo, aqui se tem\o quilombo possível\de quando a liberdade\teima em baixar de nível.”
Com “Das cidades em fuga” confirma com precisão e muita criatividade a sua arquitetura poética e me faz lembrar dos seguidores de Moisés, homens difíceis, de areia, desertos, em busca da terra prometida. São essas cidades que estão fora e\ou entranhadas dentro de nós. Vejamos: “Cidades não se fazem\com nenhum improviso.\O que parece vago\teve traço preciso.\Não existe surpresa,\acaso ou acidente.\Só a justa medida,\melhor se inconsciente.\Só o fluxo, a rotina\de entrever o já visto\e dele retirar\até o último cisto.\As pessoas não fundam\as cidades que alinham: fazem-nas com o barro\que elas mesmas continham.”
Encerra, portanto, com dois testemunhos poéticos, numa total expressão de sentidos, com o que é sentido, com aquilo que dá sentido e com o talento de um poeta conscientemente sensível: “Uma coisa é sentir o corpo\quando tudo em volta é gelo e bruma,\outra coisa é não ter o corpo,\apenas o frio vapor\que a morte esfuma.\Perder tudo\menos a lembrança\de uma sombra qualquer de quaresmeiras,\de lenhas fumegando, de um cesto\de pão sobre a mesa, da hora breve\de um banho, do beijo trocado\entre vitrais de espera, Perder tudo,\menos a memória da perda,\isso sim é estar\sem eira nem beira,\tendo apenas\a perda\por companheira.”
Um livro curioso, cheio de emoção.

Fernando Fiorese nasceu em Pirapetinga, Zona da Mata Mineira, no dia 21 de março de 1963. Residindo em Juiz de Fora (MG) desde 1972, participou do grupo de poetas, escritores, artistas plásticos e fotógrafos que, durante os anos 80, editou o folheto de poesia “Abre Alas” e a revista “d’lira”. Poeta e contista, tem três livros de poesia publicados, e ainda o ensaio "Trem e cinema: Buster Keaton on the railroad" (1998), além de contos e poemas em coletâneas, antologias e periódicos do Brasil, Itália, Portugal, Argentina, Espanha e Estados Unidos. Doutor em Semiologia pela Faculdade de Letras da UFJF e professor da Faculdade de Comunicação e do Mestrado em Letras da UFJF, desenvolve pesquisas nas áreas de Imagem e Literatura, com publicações regulares em coletâneas de ensaios e revistas especializadas. Em co-autoria com Iacyr Anderson Freitas e Edimilson de Almeida Pereira, publicou em 2000 a antologia poética bilíngüe (português/castelhano) "Dançar o nome", acompanhada de um CD com a leitura dos poemas pelos autores. Tem no prelo "Corpo portátil e poesia anterior", que reúne os seus livros de poesia escritos entre 1986 e 2000.

Iacyr Anderson Freitas nasceu em Patrocínio do Muriaé\MG, em 1963. Formado em Engenharia Civil pela UFJF, obteve também, pela mesma instituição, o título de Mestre em Teoria da Literatura. Publicou diversos livros de poesia, ensaio literárioe prosa de ficção, tendo recebido várias premiações no Brasil e no exterior. Sua obra se encontra bastante divulgada em outras línguas e países (Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, estados Unidos, França, Itália,, Malta e Portugal). Além de colaborar intensamente na imprensa brasileira, já publicou poemas e textos críticos em “Arquitrave” e “Comum Presencia” (Colômbia), “Fokus” (Malta), “International Poetry Review” (USA), “Los Rollos del Mal Muerto” (Argentina), “O Comércio do Porto” e “Saudade” (Portugal), “Private” ), “Punto di Vista”, “Ricerca Research Recherche” e “Semicherchio” (Itália), “Rimbaud Revue” (frança) e “Serta” (Espanha).

Contatos com Fernando Fábio Fiorese Furtado: fernando.fiorese@acessa.com.
Contatos com Iacyr Anderson Freitas: iacyrand@yahoo.com.br e iacyrand@gmail.com.

Capas dos livros: Ozias Filho – Foto dos autores: Beatriz Colucci

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